Professora ouve a voz de Deus e cria recanto para cuidar de crianças
A Dia-a-Dia Revista traz para a seção deste mês de Papocabeça um anjo. Um anjo que caiu do céu há 68 anos. Até meados de 1976 viveu sua fase terrestre como um ser humano comum. Estudou, casou e teve três filhos. Separou-se e casou-se mais uma vez. Enfim, uma rotina normal. Somente há 33 anos
teve início sua tarefa angelical na Terra, voltando-se à missão de prestar assistência a crianças de 2 a 6 anos, carentes de carinho e abraço fraterno, oriundas de famílias desestruturadas. Para tão árdua tarefa, num momento da vida em que poderia pensar mais na tranquilidade do lar, contou (e ainda conta) com alguém muito próximo e especial: Deus. Não, não se trata de fanática religiosa, de carola ou bitolada pelos dogmas da Igreja, não importa que doutrina seja. É um anjo, um anjo semeador, cuja missão é ajudar a preparar cidadãos futuros. E como agricultora celestial, tem vivido as alegrias das sementes que vingaram e as tristezas dos brotos que murcharam e, infelizmente, fincaram os pés no caminho do solo infértil da sociedade.
A trajetória de Aline Castejón Mattar como pastora de Deus começa de maneira inusitada, que ela prefere chamar de “intuição sobrenatural”. Mãe, mulher, formada em Educação Musical, Regência, Terapia pela Música e Didática do
Som, certa manhã, em 1976, saiu de casa para socorrer a uma mulher muito doente. Em princípio, pensou que faria mero curativo, mas, ao ver o estado em que se encontrava a pessoa, tratou de removê-la em seu carro. Ao chegar à rua, deparou com multidão de pequenos seres inocentes, crianças, a rodear o veículo. Achou que eles queriam ganhar alguma coisa, brinquedos talvez. Foi quando teve a intuição. “Cuide dessas crianças”, revela Aline, assegurando que a mensagem era de Deus. Uma amiga a acompanhava e, ao ser consultada sobre a revelação, incentivou-a a seguir em frente. Conseguiu da mãe e da avó os dois terrenos da família e, do poder público municipal, a área ao lado dos mesmos. E no fim daquele mesmo ano já estava com o local legalizado. Nascia o Recanto Betel, que, com projetos socioeducativos, socorre, assiste e educa centenas de crianças na cidade de Tatuí, no interior de São Paulo.
Nesse ambiente, filhos de mães desregradas e pais desencaminhados encontram conforto e atenção. Têm reforço escolar, aulas de Educação Moral e Cívica, orientação sexual, comunicação e expressão de português, espanhol e inglês, higiene corporal e alimentação. Aprendem artesanato, música e, principalmente, a dar e obter amor e carinho. Recebem também ensinamentos evangélicos porque Deus está muito presente na vida dessa mulher e ela acredita que deve conduzir as crianças até Ele. Diz que a fé ilumina o caminho, clareia as ideias, ampara e protege a todos.
Sabatinada, provocada e até mesmo pressionada quanto a seus princípios, Aline manteve-se firme em suas convicções e não fugiu de temas polêmicos, como homossexualismo, dízimo, reencarnação e espiritismo. Ela acredita na palavra de Deus e por causa dela chegou a ser excomungada da Igreja Católica cujos dogmas questionara por serem diferentes dos mostrados na Bíblia. Quem conhece o Recanto e as crianças assistidas, constata no brilho do olhar delas que ali reside um anjo, com uma missão dificílima: dar futuro a quem só tem um
presente de carência e desamor.
DIA-A-DIA REVISTA – A partir da intuição divina, em 24 de julho de 1976, o que você fez para colocar o Recanto Betel em pé? Você era católica praticante?
ALINE CASTEJÓN MATTAR – Sim, era católica. Assim que consegui os terrenos, começamos a construção. Comecei sozinha, mas auxiliada por uma equipe de jovens com a qual fazia estudo bíblico. Éramos 40. Saímos pelo bairro, fizemos a triagem. Selecionamos 250 crianças, de 2 a 6 anos. Fomos de porta em porta. Promovemos um baile e conseguimos dinheiro para levantar o barracão. Dava aula de música e era muito conhecida na cidade.
DIA-A-DIA – Você era católica e hoje é evangélica? Por que trocou?
ALINE – O catolicismo tem a Bíblia e a tradição. Eu era católica e tinha um padre muito meu amigo. Comecei a estudar e vi a diferença da doutrina católica com a doutrina bíblica. A Bíblia é a mesma, mas eles (os seguidores do
catolicismo) têm a tradição, que são as bulas papais e encíclicas, tudo isso. Não é a doutrina bíblica pura. Eu estava com 30 anos. Era aquela católica que só ia à missa. E resolvi estudar e me aprofundar em Teologia. Esse padre me ajudou nessa caminhada de conhecimento bíblico, da palavra de Deus. Um dia pedi a ele para me mostrar onde os dogmas católicos estavam na Bíblia. E o que aconteceu? Perguntei sobre a Eucaristia, os momentos da missa. Não tem nada disso na Bíblia. Por que não fazem um ritual baseado nos ensinamentos da Bíblia, que é a palavra de Deus e é uma só para todos? Ele disse que existem as verdades dogmáticas, são pessoas estudiosas que tiveram um critério, mas não têm fundamento bíblico, onde não existe o terço, a adoração dos santos. Ele foi me explicando e nada batia. Disse-lhe que ele era muito importante na minha formação e no conhecimento de Deus. Mas entre a palavra do homem e a de Deus, ficaria com a de Deus. Estávamos numa mesa, o padre levantou- se, me abraçou. Foi quando comuniquei que daquele instante em diante eu não era mais católica. Ele também anunciou que não
era mais padre. Casou-se, tem um filho da idade de meu neto, é psicólogo e mora em Porto Alegre. Deixei o catolicismo e comecei a me aprofundar no conhecimento da palavra de Deus.
DIA-A-DIA – Sozinha?
ALINE – Não. Fui procurar uma pessoa a quem chamo de minha mãe na fé. Ela é pastora. Foram anos e anos de estudo. São 40 anos de ministério. Fui convencida pela Bíblia e deixei de ser católica porque os dogmas não eram os que estavam na Bíblia. Agora sou evangélica. Não tenho uma visão de denominação, tipo presbiteriana, batista, Assembléia de Deus ou Deus é Amor. Não tenho essa visão de igreja denominacional, tenho visão de Reino de Deus. Quando Jesus veio, não veio implantar igreja, veio estabelecer o Reino de Deus. ‘Defendei-vos porque é chegado o Reino de Deus’, diz a Bíblia.
DIA-A-DIA – As pessoas envolvidas diretamente na religião têm a palavra de Deus como verdade
plena. Sua vida
é seguida pelos ensinamentos de Deus? Foi Deus quem lhe deu essa obra ou foi você que batalhou por ela? Você é Deus incorporado?
ALINE – Não, não sou Deus incorporado. Minha vida é pautada pelos princípios do ensinamento. Foi Deus quem me deu a obra. Nem passava pela minha cabeça essa tarefa. Por isso, aqui, sou apenas a presidente. Deus escolhe o dom de cada um. Às crianças digo que nossa trajetória é temporal. Somos peregrinos. Temos de ter a visão de eternidade, porque aqui tudo é temporal. Posso ter nascido pobre, o outro rico, um moreno, o outro branco, mas todos nós nascemos com talentos. É Ele quem determina algumas coisas. A menina do artesanato tem o dom da arte, o meu é anunciar a palavra de Deus, o de vocês é o jornalismo. O jogador de futebol nasce com essa predisposição. A fé é um dom.
DIA-A-DIA – A fé é dom ou inconformismo?
ALINE – A fé é dom, é a certeza das coisas que a gente não vê e a convicção do que se espera. Nesses 33 anos o que vi foi a realidade da vida. Cada um tem a sua, que pode ser mudada. E sempre dou o exemplo de um grande empresário, grande amigo. Hoje ele é o que é porque Deus abençoou soberanamente a vida dele. Começou como caminhoneiro, de família humilde.
DIA-A-DIA – Não se trata de uma explicação muito frágil dizer que fulano é o que é por bênção de Deus? Não é por que ele trabalhou para isso? Por que Deus olha por quem batalha, mas também por quem não batalha nada, vive de regalias e pouco se empenha?
ALINE – Meu amigo batalhou também. Deus é superior, criador do céu e da terra e aquele que tem a soberania nas suas mãos e a distribui conforme ele abraça. E também não presta contas de seus feitos. E abençoa quem se empenha.
DIA-A-DIA – Deus deixa xingar? Você xinga, esbraveja?
ALINE – Não xingo, não descarrego minha raiva. Tenho domínio próprio. O ensinamento me fez assim. Era explosiva, irada, brava, mas com o conhecimento da palavra me transformei. A palavra é rema, vem de dentro para fora. São princípios e convicções que vamos tendo e ponderando. O que é melhor: aceitar e sublimar certas situações ou ficar desgastada, irada e cair em depressão? Eu entendi com o tempo que, em vez de chutar o pau da barraca, o melhor é pensar, parar, ponderar e entregar. Tenho uma postura de vida que é descansar em Deus. Ele é
amor. Se eu entrego na mão Dele uma dificuldade que tenho, Ele sempre traz a solução. Aqui no Recanto, temos um trabalho unicamente desenvolvido pela fé. As meninas da cozinha dizem em várias ocasiões que estamos sem
arroz, sem isso, sem aquilo. Se tenho o dinheiro, dou e compramos o que falta. Minha vida é esse recanto. Se não tenho dinheiro, e houve muitas ocasiões que não tinha nada, eu dobro meu joelho e começo a conversar com meu Pai. Meu relacionamento com Deus não é de religião, de liturgia, é de uma filha que tem um pai que me atende. Digo a Ele: Pai, a obra não é minha, é Tua, quem me pediu foi o Senhor. Então, nós estamos sem isso e isso, entra com providência, porque Tu és o provedor’. Teve vezes que no mesmo dia bateu gente na porta trazendo arroz, feijão, carne, e supriu todas as nossas necessidades. Isso não foi uma vez ou duas. Tenho essa experiência, Deus não quer um povo litúrgico, que faz as rezas. Ele quer relacionamento. E eu aprendi isso. Se Ele é o criador do homem,
a Sua imagem e semelhança, se é o Pai todo-poderoso, quer o relacionamento com o homem. E é isso que as pessoas não entendem. Elas querem ritual, de macumba, de espiritismo. Não recrimino nada, mas a pessoa tem de ter a experiência de amor com Deus.
DIA-A-DIA – Você encontra Deus em cima dessa experiência, dessa necessidade. Existem pessoas que passam a vida inteira sem Deus? Os ateus e agnósticos creem em algo?
ALINE – Muitas pessoas que não encontram Deus vão por muitos caminhos. Essa frase comum que todos os caminhos levam a Deus não é verdade. O único caminho é a palavra Dele. Essas pessoas são angustiadas. Elas têm a alma e o corpo, mas não têm vida no espírito. Dizem não crer em nada, mas essa gente não existe, só fala da
boca para fora. Temos de acreditar em algo. Se somos semelhantes a Ele, então, existe um lugar dentro de nós que precisa de Deus. Existe uma lacuna dentro dessas pessoas.
DIA-A-DIA – A religião está acima da ciência? Deus fez o homem, não somos evolução da espécie pela ciência?
ALINE – Deus fez o mundo. Houve uma revolução no céu e os demônios caíram na Terra. Houve uma grande explosão e Deus recriou a Terra. Eu creio na ciência, mas nós não evoluímos do macaco. Milhões e milhões de eras se passaram entre o primeiro e o segundo versículos em que houve essa guerra no céu. Deus poderia ter feito filhos robôs, mas resolveu fazê-los a Sua semelhança, com livre-arbítrio. E essas pessoas têm de decidir se querem Deus ou não.
DIA-A-DIA – Jesus era puro, teve um relacionamento com Maria Madalena, teve um filho? Ele não foi um homem normal, como todos nós? Como saber dos sentimentos dos seres humanos se, por exemplo, nunca teve uma conjunção carnal? Ele propicia prazer ao homem, mas não teve direito a isso?
ALINE – Jesus era puro. Ele é Deus, que tem prazer. No patamar da humanidade é que o prazer é sexo. Sexo é prazer, mas prazer não necessariamente seria só sexo. Sexo não é só para criação, porque sexo é dom de Deus
também. O prazer, o orgasmo, quem fez? Deus. Ele fez o ser completo, fez o homem corpo, alma e espírito. Vocês
acham que Deus ia criar o homem e a mulher e não ia dar o prazer?
DIA-A-DIA – E os homossexuais. Deus também fez?
ALINE – É uma opção de cada um. Deus não fez opções sexuais. Não há necessidade disso, mas respeito. As
pessoas que fazem essa opção de vida merecem meu respeito e, principalmente, meu amor, porque são muito carentes. Lá no fundo elas não são felizes. O homem tem de amar a mulher e vice-versa. Deus criou os dois e disse: ‘Crescei-vos e multiplicai-vos’. Como haver multiplicação entre homens ou duas mulheres?
DIA-A-DIA – Que Deus é esse que coloca neste País políticos corruptos, muita roubalheira, enganação do povo?
ALINE – O livre-arbítrio é isso, uma escolha, um voto. Deus dá o livre-arbítrio para o homem agir da maneira como quiser, assim como faz com os homossexuais. Os corruptos, eu condeno.
DIA-A-DIA – Você condena os homossexuais, mas aceitaria um filho homossexual ou um neto que lhe diga ser
gay? Como encararia essa situação?
ALINE – Não condeno, respeito. Não tive essa experiência do homossexualismo na família. Para mim seria uma opção muito errada, iria procurar fazê-lo entender que essa escolha não lhe traria felicidade. É uma opção e também de criação. Vejo os homossexuais muito ligados com a figura materna. Se acontecesse comigo, não me sentiria
culpada, porque não sei o que é sentimento de culpa. Já tive, e muito. Na minha separação, ficava me perguntando onde nós (ela e o marido) erramos. Mas aprendi que Cristo carregou toda a culpa da humanidade. E isso porque está escrito: Se ele carregou toda a culpa, por que vou carregar?
separação?
ALINE – A questão foi relacionamento. Foi uma escolha que fiz. Fui casada 19 anos e no decorrer desse tempo entendi que não batia mais. Uma vez que acaba o amor e o respeito, não tem como viver junto. É questão de relacionamento, que precisa ser profundo, gratificante para ambos. Não havia mais isso no primeiro casamento.
Não deu mais e nos separamos.
DIA-A-DIA – A Bíblia nos leva a acreditar que as mensagens espíritas, canalizações, não são verdadeiras. Sendo que ela é uma inspiração divina, se Deus não estava aqui naquele momento, qual a diferença entre a Bíblia e a doutrina espírita?
ALINE – Deus é trindade Pai, Filho e Espírito Santo. É a mesma coisa para o católico quanto para o evangélico. Nós cremos no Deus triuno. O que acontecia no Velho Testamento era que o Espírito Santo vinha, usava os profetas, e
inspirava. Eram santos profetas, não qualquer um, dotados de dons especiais, com conexão especial com Deus. Eu acho que sou uma pessoa escolhida. Acredito nessa inspiração divina, mas que é diferente do espiritismo. O espiritismo não é o Espírito Santo. São outros espíritos. Têm do mal e do bem. Deus usa tudo. Teve um profeta
que se negou a falar o que Deus queria. Ele estava montado em uma mula. Deus fez a mula falar. Uma coisa é o canal divino, outra é o canal humano. É o canal de espíritos malignos. Quando disse da rebelião do céu, vocês pensam que o diabo não existe? Ele existe, fazendo de tudo para separar os casais, para prejudicar, por exemplo,
os pais dessas crianças, que estão presos, são traficantes. Foi Deus que os encaminhou para o crime, para o tráfico? Não, algo dentro deles, uma necessidade dentro deles abriu essa fenda e aí o inimigo da alma chegou, canalizando os atos para o crime, para prostituição. Eu tenho caso de crianças de 12 e 13 anos que já estão no caminho da prostituição. Por quê? Porque a mãe é. O referencial dessas crianças é o que veem em casa. Isso é o que mais dói aqui. E muito, muito, muito. As crianças chegam e pedem as orações. Vão visitar os pais na cadeia e lá cantam os hinos de Deus. Falam para os pais: ‘Confiem em Jesus, porque Ele vai tirar vocês daqui’. E têm essa
esperança muito forte nelas.
DIA-A-DIA – Aqui no Recanto, qual foi sua maior decepção, a sua mágoa, o que não conseguiu resolver?
ALINE – Não necessariamente no Recanto, mas a decepção foi com pessoas. Com determinadas pessoas que não entenderam a visão da obra. Isso dói. Quando criticam, falam alguma coisa, isso é uma coisa que machuca. Eu tenho um projeto que tento implantar há muitos anos. Esse projeto chama Alegria de Viver. É voltado aos pais. A gente oferece um monte de possibilidades. Como a Casa do Artesão. Venha aprender, porque isso pode ser um bico para reforço orçamentário. Venha fazer pão,
venha aos estudos bíblicos para entender o que acontece em sua
vida. O que acontece? Não vêm. Então, eu digo: ‘Se você vier e não tiver nenhuma falta, no final do mês ganha uma cesta básica’. Aí vêm. Se interessar, vêm. Eles não investem na educação dos próprios filhos, isso é uma luta e o que mais mexe comigo. Eu movo céu e Terra para dar o melhor a essas crianças. Na hora de a mãe estar presente, só um terço comparece, que tem o mínimo de interesse em saber como está o filho. Isso pode ser falha da instituição, ou falha minha, pois estou querendo tanto levar essas mães a conhecer, e depois optar. Conhecer a
DIA-A-DIA – O que você nos diz sobre pessoas que usam a palavra de Deus para tirar proveito próprio?
ALINE – Olha, é uma vergonha. Como pastora evangélica, me envergonho muito disso. Igrejas grandes tiram proveito, com dólar na Bíblia, mansões. O catolicismo é a mesma coisa. E isso acontece porque eles estão em visão religiosa. Hoje a Igreja é uma fonte de renda, porque recolhem dízimos. Haja vista o Kaká, que sustenta a
Renascer. O dízimo dele é tremendo. Pilantragem recolher dízimo para conquistar o Reino de Deus. Estelionato em nome de Deus. Exploração da crendice do povo.
DIA-A-DIA – Você acredita em céu e inferno? Quem vai para o céu?
ALINE – É difícil julgar. Quem faz esse julgamento é Deus. A misericórdia de Deus vai triunfar no juízo. E Ele vai julgar, só Ele. Não cabe a mim apontar quem vai ou não vai para o céu. Isso é burrice. Vamos pensar que a pessoa não teve a experiência como tive, não teve a oportunidade de estudar a Bíblia e entender a mensagem global de Deus. Não teve quem ensinasse, não teve nada. Todos os princípios estabelecidos pela palavra de Deus, ela não cumpriu. A Bíblia fala que se você cumprir tal princípio terá o seu galardão. Mas ela vai aparecer perante o tribunal
de Cristo, que desse ninguém foge. Aí Deus vai formular o julgamento. Pelas obras, as pessoas serão julgadas. Meu pai, por exemplo, teve uma doença horrível e morreu. Como fica a situação espiritual dele? Fui pesquisar para
saber o destino dele. Ele foi um homem que deixou um rastro de luz. Não sabia nenhum versículo bíblico, não sabia fazer uma citação, nunca leu a Bíblia. Não me lembro de ter ouvido dele uma oração. A primeira Bíblia caiu em
minhas mãos aos 13 anos. Era um homem bom, marido maravilhoso, amava os filhos, chegou ao ápice da carreira, era promotor e foi promovido a procurador de Justiça, um homem que só fez o bem. Mas ele não conhecia a Bíblia, não conhecia Jesus com Deus, era anticlerical. A Bíblia fala que ele está descansando, morreu, está dormindo.
A alma dele dorme. Esperando o dia do Senhor. Nesse dia vai haver um encontro de Jesus com seu povo. Deus vai ver o fundo do coração de cada pessoa e fazer seu julgamento, Certamente, nesse dia, o meu pai verá o Senhor. Agora, como fica Hitler, Mussolini, essa turma toda? Eu não sei.
DIA-A-DIA – Acredita na reencarnação? Ou morreu acabou?
ALINE – Não acredito em reencarnação. Existe um lugar de descanso. Levamos uma grande bagagem, dorme-se durante um tempo, em paz. Você não tem a lembrança, senão não haveria o descanso. Eu não acredito na reencarnação porque, se houvesse mesmo, o mundo estaria uma beleza. Porque a gente vai reencarnando, melhorando, até chegar a um espírito de luz. Como o mundo está cada vez pior, então, ninguém volta. Mesmo porque está escrito que ao homem está reservado morrer apenas uma vez. O mundo vai acabar um dia, mas não viraremos pó. Maravilha o que irá acontecer. Este mundo vai acabar e haverá novos céus e novas terras. Deus vai criar uma situação no Cosmo. Vai haver um novo mundo. A lei irreversível da semeadura e da colheita. Deus pode mudar o destino da pessoa, mas o que ela semeia ela vai colher. Tanto no mundo natural como no espiritual, há consequência. Se matar alguém, vai ter de cumprir e arcar com a responsabilidade do gesto. Está cheio de assassinos, criminosos, colarinhos brancos. Só posso pedir a meu Deus que tenha misericórdia. O mundo jaz. Deus quer um mundo onde Ele reine. E é isso que vai acontecer. É mistério, não sei explicar. A vida é um mistério
DIA-A-DIA – Vendo o presente tão assustador como o dessas crianças, como você imagina o futuro delas?
ALINE – Nosso trabalho é preventivo. Eu creio que a criança tendo a visão do coração de Deus tem esperança. A gente pode viver infeliz, mas nunca sem esperança. O ser humano não vive sem esperança. Elas, tendo, terão maiores chances. Somos semeadores, semeando a boa semente, que é o amor, a paz, a esperança, a alegria e a
bondade. E elas recebendo essa base, eu acredito num futuro melhor.
DIA-A-DIA – Nesses 33 anos, o que você mais viu entre essas crianças? Exemplos que venceram ou que caíram na tentação da mesma vida dos pais?
ALINE – Que o ambiente familiar engole, engole, e eu sou testemunha disso. Já passaram por aqui perto de 7.000 crianças, mas não sei o paradeiro de todas elas. Às vezes encontro pessoas que saíram daqui e hoje são diáconos,
presbíteros, obreiros, professores... O caso que mais me marcou foi o de um menino que seguiu o caminho do pai,
traficante.
DIA-A-DIA – Você tem sentimento de derrota?
ALINE – Meu papel é de semeador de uma grande lavoura. Não sei qual semente vai brotar. O
agricultor faz o terreno, ara, mas não sabe o que irá vingar. A vida é assim também, por isso, jamais passou por mim o pensamento de desistir. Há uma chama dentro de mim. Eu amo essas crianças. Amor é dom, não vem de nós, é de Deus. O que posso fazer por elas é interceder, orar, pedir que sejam protegidas de todo o mal, mas eu não posso
manipular o destino delas. Nem Deus faz isso. Eu creio que Ele determinou que eu seria uma pastora e teria uma obra assistencial. Não foi fácil. Sempre tive um vazio existencial, somente preenchido quando tomei a decisão de me especializar na palavra de Deus. Eu não entro por linhas teológicas. Aliás, respeito todas elas, seja de que doutrina for, e tiro proveito delas. Há uma passagem que diz ‘Ensina o caminho que deve andar que quando for velho jamais se apartará dele’. Por isso, tenho fé que um dia essa semente vai brotar. Eu resumiria minha existência como uma avó de 68 anos, que já sofreu muito, que já passou por muitas coisas. Para deixar o catolicismo e tomar essa posição, isso me custou a excomunhão da Igreja Católica. Isso foi uma experiência
dolorosa para mim. Fui excomungada. Literalmente excomungada. No começo dessa obra, 40 pessoas me ajudavam, mas após a ex-comunhão, sabe quantas ficaram do meu lado? Duas, apenas duas. Tive de começar várias vezes, recomeçar. Depois dessa excomunhão, não recebi mais ajuda de ninguém daqui, mas Deus me disse que toda ajuda vem de longe. E faz 33 anos que isso acontece. Deus é misterioso. Quem entra para caminhar com
Ele tem que ter flexibilidade de viver o mistério. Porque se vocês forem racionalizar a fé, não faz nada. Deus é ilimitado, então, não podemos colocar limites na ação Dele. O que mais marcou nessa caminhada? A minha relação com Deus, deixando Deus ser Deus na minha vida.